A minha mãe tinha adoecido, ainda antes de eu ir para esse trabalho na frutaria. Tinha adoecido e o trabalho que a minha mãe ia fazer a Setúbal eu ia lá fazê-lo. Entregava aos moços. Tinha que apanhar o eléctrico para o Terreiro do Paço, do Terreiro do Paço apanhava barco, do barco ia no comboio e para cá fazia o mesmo trajecto, para o negócio da minha mãe não acabar. Mas tanto nos hotéis como lá no barco, toda a gente gostava de mim. Diziam para a minha mãe:
- “Tem uma filha tão quietinha, tão quietinha, ela vai aqui no barco vai sempre a fazer croché. Não se mete com ninguém, nem deixa ninguém meter-se com ela.”
Chegava lá fazia o negócio e ainda muitas vezes melhor que a minha mãe. E depois vinha, que eu não pegava em nada. Só fazia o negócio e eles carregam. Haviam uns em Setúbal que carregavam para o comboio, e chegavam ao Terreiro do Paço e havia outros que levavam para os restaurantes. Só depois ia comparecer e fazer contas. Andei naquilo. A minha mãe até adoeceu e eu fui-lhe pôr umas ventosas. Por cá também apanhou uma doença, uma pneumonia e eu pus-lhe umas ventosas.
Tinha medo, mas um dia cheguei lá, foi uma tristeza muito grande. Cheguei lá e faltava-me um tostão, sem mentir, nas contas que eu apresentava. A minha mãe tinha o passe que era diferente, mas eu tinha que pagar todos os dias com dinheiro da minha mãe é claro, a viagem que eu transitava. Depois nas contas faltaram-me um tostão, um tostão. Hoje não é nada, mas naquela altura era dinheiro. E a minha mãe disse-me:
- “Roubaste-me o tostão.”
Eu assim: - Ó mãezinha, por amor de Deus, eu não roubei um tostão.
- “Jura pela alma do teu pai.”
- Pela alma do meu pai não juro que eu não juro por ninguém, muito menos pela alma do meu pai. Eu digo que não gastei e que não tirei, não tirei.
Mas jurar não jurava. Eu queria que acreditassem na minha palavra e não em juras. Era assim que eu queria. No final de contas, fartei-me de chorar. Como é que a minha mãe ia duvidar de mim com uma coisa daquelas, se eu fazia o negócio e ainda chegava lá mais dinheiro do que quando ela fazia. Eu digo assim:
- A minha mãe diz-me isto.
Chorava, chorava, chorava. Via aquela indiferença. Que ela ia sempre tratando-me com indiferença, sempre, sempre, sempre. E digo eu assim:
- Meu Deus!
Mas aquele dia quando a minha mãezinha até estava para morrer, eu cheguei ao pé da cama dela e a minha mãezinha pediu-me perdão, chamou:
- “Ó filha perdoa-me tudo aquilo que eu tenho feito até aqui. Mas não sei é uma coisa que eu tenho em mim, tinha que embirrar contigo. Tinha que sempre embirrar contigo e não com as tuas irmãs.”
Não me deixou fazer a Comunhão Solene. Se eu fizesse a Comunhão Solene era vaidosa porque queria ir com o véu branco. Naquela altura era um vestido branco e aquela coisa, e ela não me deixou fazer. Então o padre e a catequista foi lá ter com a minha mãe para eu fazer a Comunhão que eu sabia muito bem e que deixasse ir. A minha mãe disse logo:
- “Não vai. Ela se fosse era por vaidade. ”
E depois deixou fazer a minha irmã a Comunhão Solene. E essa já podia ir de branco, já não era vaidade. Era tudo assim. Eu era sempre castigada. Mas quando a minha mãe quando me pediu perdão e eu daquela idade, eu sabia o mal que a minha mãe me tinha feito toda a vida e eu saber aquilo que estava-se a passar... Digo assim:
- Não pode ser. A minha mãe a pedir-me perdão. Assim ela viu bem o que me fez. Reconheceu o que me fez, não há direito de uma coisa destas.
E a minha mãe então teimou que me havia de pedir perdão. Fui para o meu quarto, as lágrimas caíam-me em quatro e quatro de ver que a minha mãe se viu obrigada, não se viu obrigada, sentiu que havia de me pedir perdão naquela hora. Sentia-se mal e fez isso.