A minha mãe trabalhava muito na fazenda. Tínhamos muito milho, muito azeite… Não nos faltava nada. Tínhamos ali uns olivais na Deflores, que ela era de lá. E naquele ano de 1945 disseram:
- “Ai, vêm aí os fiscais para ver quem é que tem muito milho em casa. Têm que vender para as pessoas que não têm nada.”
Disseram que vinham os fiscais e que quem tivesse muito tinha que vender às pessoas que não tinham. O que é que ela fez? Eu era pequena e parece que ainda a estou a ver. A nossa casa tinha um vão grande e havia assim uma porta. Ela tinha uma arca. Então, enfiou a arca naquele vão das escadas e encheu-a de milho. Levou 10 alqueires de milho para o que desse e viesse e, depois, pôs duas pilhas de cavacas à frente, que eles já nem a arca viam. Depois, disse:
- “Então, venham cá que não há cá nada para vocês!”
Mas não chegaram a vir. Naquela altura, íamos para o regedor. Vinha aquela farinha amarela de fora e a gente ia lá. A minha mãe não precisava disso. Mas para o povo não desconfiar, também ia buscar aquela farinha que nos calhava. Era para o porco. A gente matava dois e três porcos por ano.
Naquele ano da fome - foi quando as minhas duas irmãs nasceram - havia cá a padaria. Ela, coitadita, levantava-se às duas horas da manhã, ia por o outro lado do quelho, aparava o avental e a tia Ressurreição lá lhe atirava um pãozito para baixo. Mas de manhã, ela fazia-me levantar para eu ir para a bicha do pão, que era para o regedor e o povo não desconfiarem que a gente tinha pão em casa. Lá ia buscar o bocado que pertencia. Era tudo racionado. Pois é, passou-se muito e eu ainda sou desse tempo.