Às vezes, queria fazer assim umas coisitas, mas não faço. Só vivo da minha reforma e é pequena. Todos os dias, faço o comer para o meu filho. De manhã, tenho que aviar umas sandes. Quando tenho assim o comer mais adiantado, levanto-me às seis e meia. Quando não tenho, levanto-me mais cedo um bocadito. E à noute, tenho sempre a mesa posta para ele comer. O que eu não gasto só com ele. Mas economizo muito. A minha reforma é pequena. Nunca tive nada do meu marido. A gente, lá em África, pagámos as contribuições das casas, das lojas, do comércio e nunca trabalhámos nas obras públicas, nem nada. Não havia descontos como agora. Depois, vim, arranjei uma coisita. Vim como retornada e lá me deram um subsidiozito. Mas não tenho nadinha, nadinha do meu marido.
Agora, desde que vim de África, é que a gente se junta a fazermos serão. O nosso serão sou eu, é uma prima minha - até foi agora a Lisboa -, é a Dorinda e é a Berta. Fazemos sempre até às 11, às vezes menos dez, às vezes mais dez. Elas estão sempre a costurar e olham para as novelas. Eu não olho para a televisão, não gosto de novelas. Não os conheço. Posso estar uma hora, duas, não olho para a televisão. Não me perguntem, que eu não conheço nenhuma, nem homem, nem mulher, nem garoto que foi à televisão. Vêem quatro novelas na TVI, tudo a fio umas das outras. Eu gosto de ver é reclames, é as notícias, o Jorge Gabriel, essas coisas todas assim. Novelas, é que eu não gosto nada de ver. Faço um bocadinho de renda, faço um bocado de ponto cruz - até aprendi em África com uma senhora dum administrador -, faço aquilo que me apetecer. Agora, já não faço tanto, porque já tenho idade e a vista já não alcança bem. Para fazer asneiras, não vale a pena. Faço às vezes umas coisitas pequenitas, mas sei fazer muito bem ponto cruz. Depois, jogamos as cartas até à meia-noite. Às vezes, discutimos! E, quando uma ganha, já não vai embaralhar as cartas. É um bocado bem passado! Eu jogo com a dona da casa e a Berta joga com a Dorinda. Conforme a gente está sentada, assim a gente joga. Depois, elas vão para casa e eu venho para a minha. Como aquela senhora, a Gilberta, é assim um bocado coxa, anda com muleta, tenho medo que ela caia, porque tem dois degraus no caminho para casa dela. Tenho muito medo e vou sempre levá-la à porta. Agora, a minha prima foi para Lisboa passar uns dias, passar uma semana e eu vou para fazer companhia à Gilberta. Vou levar-lhe a botija à cama para ela não descer as escadas. Se ela cai, já se não levanta. Tem que ir de rastos para uma coisinha alta para ver se se consegue levantar. Só nas escadas é que ela se levanta.
E passemos assim a vida. Já há 30 e tantos anos, desde que eu vim de África. Primeiro, era numa casa duma prima minha, mas essa já morreu. Vivia por cima do café. Era a dona do café. Agora, como ela morreu, fomos ali para casa da outra minha prima e estamos lá. Ela acende a braseirinha, pusemos um mocho a fazer altura, depois uma mantazinha por cima e aí estamos todas quentinhas.