Estive sete anos em Lisboa. Depois o meu pai adoeceu e eu voltei para cá. O meu pai faleceu e eu fiquei. Vim pegar na arte. A arte dava. Havia aí alguns dois ou três moleiros. Já morreu tudo. Andavam na mesma coisa. Tinham moendas arrendadas, que não eram deles. Eu também andei no rio, de Verão, em coisas alugadas. Moíam moinhos de Inverno, mas de Verão, não tinham água. De Verão, a ribeira aqui seca. Fica com pouca água. Não dá para moer. Tinha que se ir para o rio Alva. No rio Alva, havia água. E lá tinham outra moenda arrendada. Ainda lá andei uns 20 anos, também, mas um dia, desavim-me com o moleiro que lá estava e disse assim:
- Já não me desavenho mais!
Cheguei aqui, mandei vir uma mó eléctrica e montei-a. Ficou-me, naquele tempo, talvez para cima de 200 contos. Também resolvi comprar para deixar de pagar a renda. Naquele tempo, uma pessoa podia pagar aí 10 alqueires por mês. Comprava-se, a electricidade era barata, uma pessoa vendia para aí. Tenho ali ainda a mó. Não trabalha. E já nem nunca trabalha. Depois, comprei uns moinhos lá em baixo. Tinha um a água ali em baixo. Ali, até já me roubaram as mós. Pelo menos duas.
Eu ia buscar o milho. Havia muito milho nessa altura. Então não havia? Havia com fartura. Era uma coisa doida. Agora não... Naquele tempo, havia muita malta cá. Empregavam-se muitos. Até ao dia fora a trabalhar. Agora, já ninguém trabalha. Abandonaram as terras. Foi o que fizeram. Mais nada.
Ia buscar o milho a estas terras. Ia para a Cerdeira cinco dias por semana, ia a Vinhó aos dois dias, ia a Pisão de Côja um dia... Estas terras aqui para baixo. Ia lá todos os dias. Trazia o milho, moía-o, ao outro dia ia distribuir e eles coziam a broa. Em lugar de cozer agora o trigo, era broa que coziam. Tinha uma mula e uma carroça e cheguei a ter um macho também. A mula levava a carroça. Ia cheio de sarrões. Levava às vezes 20, 30 alqueires de milho. Era conforme o que aviava. Ao princípio levava 1,5, por 10. Mais tarde começou a ser 2 quilos. Eram 10 quilos, levavam 8. Ficavam 2 para mim e 8 levava o dono do milho. O meu pai já fazia o mesmo. Mas ele não usava balanças. Não tinha. Era por medidas de 5 litros, 10 litros. Fazia aquilo. Havia meio alqueire e alqueire. Ora, eu era balança. Pesava tudo. Ele tinha uma medida aferida: 10 litros, outro de 15, outro de 2, outro de 3, outro de 1. E era assim sucessivamente. Era a mesma coisa. Talvez fossem 10 litros... Se fossem 10 litros de milho, tirava-lhe 2 litros. Levava 8. Era isso. Ele até à toa fazia aquilo. Já tinha muita prática. Foi a vida dele sempre. Não teve outra vida. Mais nada.
Foi alguns 30 e tal anos na arte de moleiro. Mas, depois, começou a faltar o milho. Acabaram de semear. Fui para o dia fora, a cavar terra, a dar sulfato e a arrancar batatas. Reformei-me e agora estou aqui em casa, à boa vida. Nem o azeite apanhei este ano. Queria semear ainda umas batatas, mas por causa da vista já não via bem. E mais nada. Agora, a gente vivemos é da reforma e dalguma coisita que temos.