Para a idade que tenho, ainda muito me lembra eu, porque eu vejo alguns muito mais novos do que eu, que já não encarreiram nada. Já não dizem coisa com coisa. Parece que não, mas 82 anos é muito. Em chegando à idade de 70 anos, 60 e tal anos, começa a perder o cérebro. Já não se lembra. Eu não adoecia quando era novo. Era raro. Tive sempre saúde. Mais tarde, já ao fim de acabar esta coisa da arte de moleiro, é que tive que fazer operações. É a velhice. É a morte que está para vir. 81 anos, uma pessoa só está à espera da carta de chamada para andar, mais nada.
Mas eu não ando bom. Ou é da idade, ou não sei. Não vejo coisas para trabalhar. Não posso trabalhar e tenho fazenda. Andei a comprar fazenda de castigo e agora tenho para aí a fazenda toda de relva e não semeio nada. A minha mulher bem me dizia:
- “Não compres, não compres...”
Eu meteu-me na cabeça que nunca chegava a ser velho, pronto. Compro para a frente, agora, aguento-me. Agora, comprei umas máquinas, uma para fresar outra para cortar a erva e é com o que me vou havendo, porque se for à mão, já não me aguento. A trabalhar aí todo o dia. Ora, em primeiro, aguentava-me aí uma semana inteira a cavar com uma enxada, com uma ferramenta. Ora, agora não.
Isso está mau. Vale mais deixar abandonar a fazenda. A fazenda está toda abandonada. O Estado havia de botar mão. Era obrigar a trabalhar no campo quem tivesse fazenda. Agora, está aí tudo cheio de silvas. Essas silvas, dessas que picam, que dão amoras. Está tudo cheio. Aí, não há uma cabeça de gado, praticamente, não há quem crie um porco, não há nada. Têm umas galinhitas, uma coisa qualquer. Eu também tinha duas cabras, mas também acabei com elas. Fui obrigado a acabar com as cabras, porque a idade assim o permitia. Estas propriedades aqui “pia abaixo” era tudo cultivado. Agora já nem aqui de roda de cá, daqui da terra já cultivam. Isto não dá. Em primeiro, era diferente.
Noutros tempos, vivia-se mal. Hoje ainda se vive mal, mas já se vive melhor, porque é a reforma. Mas se tirassem as reformas, então é que era uma miséria autêntica. Ainda era pior que noutros tempos, porque já não se habituavam a trabalhar. Agora, a malta já não se habituava a trabalhar. Quem é que se aguentava a trabalhar aí de sol a sol a trabalhar de manhã até à noite? Aí com uma ferramenta nas mãos? Quem? Não há aí ninguém. Há aí um ou dois.
Agora, não gostava de ir para Lisboa. Não me puxa a ideia para ir para lado nenhum, nem passear, nem nada. É estar para aqui, que o dinheiro não chega. O dinheiro derrete todo, não chega. Agora, só estou a viver à beira da reformazita, mais nada. O dinheiro não se cava. Isso já lá vai o tempo, que uma pessoa ainda tinha dinheiro e brincava.