A partir daí havia um senhor das Luadas que era para ir para Moçambique. Chamava-se Zé Pereira. Tinha pedido a um fulano chamado Casimiro, que estava lá já há uns pares de anos em Moçambique. Ele andava lá a fazer colheres ao pé de mim e diz ele assim:
- “Ó Ramiro, ó pá, tu queres ir para a Alemanha pá, se calhar, vai para Moçambique, eu dava-te o meu lugar e tu ias para Moçambique. Escrevemos ao senhor Casimiro e ele manda-te ir.”
Assim foi. Eu tinha já o negócio. Eu já lidava, aí nessa altura, com, talvez 15 mil contos ou 10 mil contos. Já era dinheiro naquele tempo. Eu já lidava com muito negócio. Aí é que foi o meu mal. Veio-me uma carta para eu me ir embora o mais depressa possível. Enviei uma carta a dizer que eu que não podia ir porque tinha um negócio assim-assim. Só no mês tal é que podia ir. Passado dois meses ou o que era. Assim foi. Arrumei o meu negócio todo. Vendi tudo. Vendi as madeiras todas, não comprei mais. Agarrei, fui para Moçambique. Mas houve um fulano que andava comigo, era um grande amigo meu que andou a serrar muito tempo comigo, disse-me:
- “Olha Ramiro, eu andei por Espanha, andei por um lado e por o outro. A gente quando não tem de passar de tostão, nunca chega a 2 tostões. Tu aqui já tinhas a tua vida bem montada.”
Mas minha ideia era ir. Então fui para Moçambique. Fui no barco Pátria. Parámos na Madeira, parei em São Tomé, parei em Angola, em Luanda. Conheci aquilo tudo. Parei em Moçambes, na África do Sul, depois Lourenço Marques. Depois daí estive lá em Moçambique. Era ajudante agrícola de chá. Estive lá então à roda de 15 anos. Estive 12 anos e tal sozinho. A minha mulher na Benfeita, com os filhos e eu lá. Eu fui sempre um fulano muito aventureiro. Estive sete anos sem cá vir primeiro. Mas também nunca abandonei o meu lar. Graças a Deus nunca abandonei o meu lar. Nunca abandonei a Benfeita. Tive muita mulher, posso dizê-lo. Muita rapariga. Mas era lá, não era cá.
Depois aquilo começou-se a pôr cada vez pior. Quando houve a revolução lá no Moçambique e deu a independência eu ainda estive lá seis anos, depois da dependência em Moçambique. Conheci muito mundo. Conheci muita desgraça e muita coisa que se eu fosse a contar isso tudo... Eu vi a morrer gente... Aqueles dois anos que a minha mulher foi, eu tinha lá uma machamba. É um terreno grande, com hortaliças, bananeiras, tudo. Eu sabia trabalhar naquilo. Punha uma carreira de bananeiras, tudo “pia fora”, quase com 1 quilómetro. Depois do outro lado a mesma coisa. Aí com 5 metros ou 6. Aquilo era tudo hortaliçazinhas de toda a qualidade, que eu tinha de fornecer a cidade de Gurúè. Aos trabalhadores que trabalhavam todos para a companhia. A partir daí, foi lá um Ministro, disse que eu tinha que ir para a Angónia. Eu tinha um fulano que era da África Livre, que era resistência moçambicana. Ele trabalhava num banco. Éramos muito amigos. Depois um dia diz-me ele assim:
- “Ó Saraiva, tu vais embora...”
Eu contei-lhe o passado. Diz ele:
- “Ó pá, então não vás. Vale mais ires embora para Portugal. Vais para a Angónia podem-te matar. Tu sabes como é isto, bem vês como é que isto está. Bem viste o teu colega e tal...”
Um rapaz que era aqui de pé da Mealhada. Coitado, teve que vir de uma plantação, fizeram-no ir de noite, às tantas da noite por aí afora descalço e em cuecas. E eu com medo disso e a minha mulher começou-me logo a dizer: vamos mas é embora. E fui. Eu estava a ganhar 22 contos e 500 por mês, eu pedi-lhe logo 35 contos. Só ficava por 35 contos. O gajo ainda chegou a 30 contos. Eu disse:
- Não, não fico. Agora já tenho as minhas coisas arrumadas, vou-me embora.
E assim foi. Vim para a Benfeita. Já tinha um dinheirito. Era pouco. Tínhamos 800 contos ou o que era. Tudo em dólares.