Nas alturas do Carnaval e do Natal íamos aos cepos, mas é diferente que agora. Agora é um carrinho, uma carrinha, um carro. Naquele tempo eram os carros de bois. Quando os donos dos bois não queriam ir, emprestavam o carro. Então, era a malta mais velha que eu, agarrava no carro, íamos dez ou 15, embora buscar os cepos de castanho. Hoje geralmente o castanho já acabou. É quase tudo de pinho. Isto era uma coisa do Natal. Depois vinha o Carnaval.
No Carnaval, a rapaziada mais velha que trabalhavam comigo lá na oficina e outros andavam por aí, juntávamo-nos todos, arranjávamos uns papéis e fazíamos umas récitas. Chamavam eles récitas, espécie de teatro. A gente decorava aquilo. Depois quando chegava a altura aquilo estava tudo ensaiado, íamos representar no salão paroquial. Lá se arranjava algum dinheiro para algumas despesas, outro dinheiro era lá para a casa do padre, para a casa paroquial. No Carnaval, havia cá umas tradições, que hoje já está-se a perder tudo. Isto já vinha de lá mais antigo.
No Sábado Gordo a malta, quando eu tinha aí 15, 16 anos já andava com os mais velhos. Então íamos correr as lojas onde havia gado, de noite, e ordenhavam-se as cabras. Depois do bailarico, íamos fazer o leite com o café. Era mais leite que café. Então, era a nossa coisa. Sábado Gordo era a ordenha. Chamavam:
- “Vamos ao leite, vamos ao leite!”
E então íamos ao leite.
Havia alturas, esses mais velhos lá tinham mais ideias que os mais novos, quando eu tinha 14, 15 anos, faziam umas cegadas. Juntávamos dez, 12 ou mais, arranjávamos o rapaz que tinha um harmonicozito e depois lá eles arranjavam as cantigas. Havia um rapaz que já morreu, também foi para África, era muito inteligente nessa coisa da música e das cantigas. Então, faziam assim umas cantigas. Um era este, outro era aquele e tal e depois andávamos aí a correr as terras todas com a nossa cegada. E era assim que se passava o Carnaval. Depois vinha-se com o fado para a rua. Uma vez, nós saímos com a cegada e as raparigas mais os velhotes que ficaram cá, não estiveram por demais, foram com a cegada. Quando chegámos, andavam aí com o fado na rua. O pessoal todo, os velhotes e mais as que ficaram andava tudo na rua. A gente não queria saber. Fomos para casa do meu sogro, lá onde se fazia os bailes, fomos para lá também, para o baile. Depois chegaram eles com o fado e ali se passava o Carnaval.
Pelo Carnaval, tínhamos aí um bombo ou uns zabumba. A gente chamava zabumba, outros chamavam bombo. Era também uma diversão que nós tínhamos. O meu sogro era fadista nisso, até sangue tinha na pele. Ele esfolava os dedos todos a malhar no bombo. Agarrávamos naquilo, um com o bombo, outro com os pratos, outro com a caixa e outro com a colher de pau. Uma colher grande, levava aí 1 litro de vinho. Começávamos a correr aí as ruas da Benfeita, catrapum, catrapum, catrapum. Depois parávamos num lado, lá enchia a colher de vinho, toda a gente bebia. Depois íamos para outro. Enchia a colher de vinho e a gente sempre a malhar com o zabumba. Noutros tempos diz que havia dois bombos. Isso já não é do meu tempo. Que havia um despique. Tinham dois bombos e aquilo era pais contra filhos e filhos contra pais. Aquilo diz que era uma guerra. O meu tio jogava uma porrada dele e o meu pai. Era um de um lado, o outro do outro. Quando se juntavam jogavam porrada. Pelo Carnaval ainda se fazia mais. Um rancho no fundo, os outros no oiteiro. Os do fundo iam para o oiteiro, os do oiteiro iam para o fundo, e era assim o Carnaval que a gente passava cá.
Um ano, fizemos aqui um pavilhão, no areal onde está a Junta. A gente foi por esses pinhais fora a cortar pinheiros. Agarráramos aquilo, fizemos lá um cerco e lá dentro então trazíamos a música e fazia-se lá o baile dentro. Os do oiteiro viram aquilo, também fizeram lá no oiteiro. Depois uns do oiteiro vinham cá para baixo e os do fundo iam lá para cima. E assim era as nossas festas, nossas brincadeiras durante esse período dos santos e de Carnaval. Depois era música de um lado, música do outro. Pelo Carnaval cada um saía com o seu rancho, a dar a volta às ruas. Às vezes encontravam-se num lado, mas ninguém tratava mal ninguém. Cada um levava a sua música, cantavam as nossas cantigas. Passavam uns por os outros, eles lá iam para a vida deles, nós íamos à nossa. Depois entretanto acabava o Carnaval.
Ao fim de acabar o Carnaval fazia-se o enterro do Entrudo. Arranjava-se um palhaço numa escada. Levávamos aquilo e depois ia-se queimar aquilo. Pronto, acabava o Carnaval. Na Quarta-feira de Cinzas, havia grelos. Ia-se apanhar porque não se podia comer carne. Ia-se aí pelos chãos fora, apanhar grelos de nabo. À noite, cozia-se os grelos com bacalhau e assim acabava a festa com os grelos. Na Quarta-feira de Cinzas acabava então o Carnaval e começava a Quaresma. Aí então já não se podia comer carne nem nada. À sexta-feira, porque nos outros dias comia-se. Era assim as nossas festas cá, as nossas brincadeiras.