Vida difícil

Foi um casamento pobre já se sabe. Foi conforme a gente podia. Tínhamos umas pessoas, só família. Teve tudo como agora. Missa, almoço. Abusava-se. Chamavam a fressura, que era o prato principal do casamento e a chanfana e sopa. Arroz-doce, tigelada e pouco mais. Acho que era assim o almoço. À noite fomos para a cama, fomos fazer as nossas brincadeiras também, como agora. Isso era como agora. O que é que, eu digo a verdade, era mais decente do que agora. Era mais decente. E eu é que tive lua-de-mel, não fomos a isso. Nem tínhamos dinheiro, nem éramos dessas coisas. O dia seguinte guardámos o dia, não trabalhámos tanto, mas também não fomos passear nem nada.

O meu marido era moleiro. Moía farinha, porque os pais já eram moleiros e ele veio seguir os passos dos pais. Moía o milho para fora, para as pessoas da Benfeita, quase todas que ninguém tinha moinhos e ia a algumas terras, a Cerdeira, Pisão buscar os sarrões, que eram umas saquinhas, ia buscá-las a um dia, e a outro dia ia levar a farinha. Era também uma vida muito cruel. Não dormia quase nada. Tinha que andar a ver, chamam as mós, se tinham milho ainda para moer. Não se podiam deixar andar sem milho, aquelas pedras. Tinha, chamava-se uma moeda, enchia-se de milho mas mesmo assim moía aquilo tudo depressa porque era tocada a água. Havia muita água, nessa altura. E então ele também não dormia descansado, estava sempre a levantar-se. E tinha de ser fora da aldeia. Estávamos lá para uns moinhos, fora da povoação. Tínhamos de ir de noite, por aí abaixo, com um candeeiro na mão. Chamavam o lampião. Era a petróleo. Não havia luz. E então, às vezes, chuva e vento e a gente a amparar aquilo tudo por aí abaixo, pela estrada abaixo. Lá para o lado da Dreia. Era por aí perto. Era uma vida triste. Eu ia com ele. Deus me livre o deixar ir sozinho lá para aqueles ermos. Era umas barrocas. Íamos lá dormir. Ele levantava-se de noite e ia ver. Eu não, que eu também não percebia nada daquilo, para mim era música.

O meu marido tirava o milho, um tanto para pagar o trabalho de moer. Tirava aquela medida. Era uma medida de milho por cada saco. Se o saco fosse maior era mais um bocadinho, se fosse mais pequeno, era menos. E o resto ia levar às pessoas, a gente dizia às freguesas. Também pagavam a dinheiro. Havia pessoas que tinham pouco milho, então pagavam a dinheiro. Um tanto cada, não sei agora quanto, não me lembro, cada saco. O milho que ficava para nós, do pagamento, era para moer e vendíamos a pessoas que não tinham milho, que não tinham farinha. A gente moía e depois quem queria comprava e era para nossos gastos também.