Os meus pais chamavam-se Manuel dos Santos e Lúcia Pereira dos Santos. Eram os dois da Benfeita. Eles ainda eram primos. Afastados ou primos direitos, mas ainda eram primos.
Tinham um negócio fraco. Andavam nas feiras, às vezes. Outras vezes, ficavam por aqui. Tinham uma lojazita. Não era deles, pronto, era alugada. Era um negócio de panos. Agora é tudo feito, mas primeiro ainda havia panos. Eram panos riscados, popelinas, sedas e assim certas coisas que medíamos ao metro. E tinham mercearia, também. Eu não sei já bem como é que aquilo vinha. Não sei se o meu pai ia buscar os produtos a Arganil, se os vinham cá trazer. Acho que vinham numa burra ou numa mula ou qualquer coisa assim. Já não me lembra disso. Sei que era muito fraco o negócio. Tudo ficava a dever. Isto foi uma miséria, antigamente. Iam às feiras, mas vender só panos. Iam à feira de Mont'Alto, que ainda há. Agora é mais para divertimentos. Antigamente, era mais para venderem cobertores, peças de pano e assim coisas. Foi assim a vida dele. Viviam muito pobres.
Em casa, éramos quatro irmãos. Uma já morreu. Eu era a mais nova. Se nós não entrássemos em casa ao toque das Ave Marias - era ao escurecer, aí por volta das cinco, seis horas, ou das nove ou dez de Verão - e se chegávamos ao andar de cima e não dávamos as boas-noites, ele dizia assim:
- “Onde é que ficaram as boas-noites? Vá buscá-las à porta!”
E nós tínhamos que vir à porta, abrir a porta, fechar e chegar lá, dar as boas-noites. Era educação! Não é como agora.