Trabalhei sempre no campo. Quando casámos, o meu marido voltou para Lisboa e eu fiquei aqui a trabalhar no campo. Era a vida dele lá. Vinha cá de ano a ano a quase só, por o Natal.
Depois, o meu cunhado, mandou-lhe a carta de chamada. É um documento qualquer que eles mandam de lá para se poder lá entrar. Antigamente, não se entrava assim a brincar. Tinha que uma pessoa se autorizar e responsabilizar por aquela pessoa. Na altura, ainda mandavam e ele foi para a África do Sul. Eu estive cá mais dois anos. Aos 29 anos, fui lá ter mais o pequenito, que já tinha um filho.
Estivéramos lá uns anos, lá vivêramos. O meu marido trabalhava na construção. Lá, eu não fazia trabalho nenhum. Aturava os filhos e fazia a minha vida da casa. Nalguns sítios, vivíamos portuguesas umas ao pé das outras. Da Benfeita, só estava lá eu, a minha irmã, uma prima minha e pouco mais. Às pessoas que estavam na aldeia, escrevíamos cartas. Ficava mais barato.
Com a língua, a gente entendia-se bem, porque nós íamos aos “shops”, como aqui, aquele “shops” grandes, e comprávamos o que queríamos e o que não queríamos. Depois, pronto, trazíamos para a caixa. Chegávamos à caixa, pagávamos e andávamos. Não era preciso estar a conversar com elas. Eram ingleses, sul-africanos e pretos. Pretos, havia lá muitos. Havia Apartheid. Eles tinham lá o comboio deles, tinham o “bus” deles e nós tínhamos o nosso. Os brancos iam nuns “buses” - chamavam lá um “bus”, um autocarro - e os pretos iam nos deles. Eu não estranhei. Na altura, até fui para uma “flat” e os pretos foram lá pintar a “flat”. Ainda tinha medo deles. Estava ali sozinha, fechei a porta à chave por dentro, fechei as janelas. Depois, ia de casa da vizinha para cima, mas eles não me faziam mal. Eu é que tinha medo, porque ia daqui. Foi a primeira vez que fui para lá, ia com aquele receio deles. Mas não me fizeram mal. O que é a porta ficou por pintar conforme se fechou.
Lá, é muito frio e muito calor também. Agora, até Março ou Abril, ainda lá está quente. Depois, começa lá o Inverno e começa aqui o Verão. Lá, o Natal é no Verão, mas é em Dezembro na mesma. É na altura que os homens têm férias. A construção pára. Dia de Natal íamos fazer uns piqueniques ao parque com a família, com a minha irmã. E, às vezes, íamos a Moçambique. Fôramos duas vezes a Moçambique passar férias e fomos uma vez também a Durban.
Depois, viemos cá à Benfeita e estivéramos aqui uns anos. Fizemos a casita, na altura. Mas o meu marido disse assim:
- “Isto não é vida para gente nem para os filhos.”
Já tinha três filhos, na altura. Ele voltou e eu fui lá ter com os filhos outra vez. Estivéramos lá mais uns sete anos ou o que foi. Voltáramos outra vez e viemos para aqui. Em 1987 é que nós viemos. Aquilo lá já não estava muito bom. Já se ganhava lá poucochinho e a despesa já era muito grande. Mas ele ainda voltou a Lisboa uns meses, sozinho. Foi assim a nossa vida, com altos e baixos.