Casei com 20 anos. Ele tinha 21. O casamento foi aqui na igreja. Viéramos de Pai das Donas a pé ali pelo pinhal abaixo e por aquele pinhal acima é que voltáramos. Já vestíramos de noivos. Onde é que a gente se ia aqui vestir? Levantava-se o vestido para não sujar. Usava-se umas combinações e era isso mesmo que a gente usava. O vestido era branco, não com cauda, e véu a tapar-me. Nem tenho fotografias. Nessa altura, não havia. O meu marido levava uma roupa castanha, camisa branca e uma gravata. Já não me lembro bem. Parece-me que era cinzenta ou qualquer coisa assim. Tínhamos lá alfaiate e costureira na terra em Pai das Donas. Fizéramos lá a roupa.
Depois do casamento, houve festa. Tínhamos um jantar em casa. Tínhamos lá duas cozinheiras e foi lá em casa. Ainda eram capazes de ser aí umas 50 e tal pessoas. Agora é difícil lembrar-me o que se comeu. O normal era a sopa, depois batatas assadas no forno com carne fresca, como se chama, algum cozido à portuguesa e arroz-doce, filhós, coscoréis - como a gente aqui chama -, a tigelada, o pão leve - chama-se agora pão-de-ló - e por ali assim. Naquela altura, ao tempo, era isto.
Eu fiquei aqui sempre e o meu marido ainda cá esteve sete anos. Depois, foi para as Minas da Panasqueira. Já era lá que trabalhava. Depois de sete anos, voltou para as Minas até se reformar. Não vinha todos os dias. Tão longe! Só vinha de vez em quando. E lá nas Minas da Panasqueira, as coisas eram mais baratas. Naquele tempo, os mineiros tinham uma vantagem. Iam lá buscar umas coisas para os filhos e para mim. Ele era lá mineiro. Trabalhava em trabalhos perigosos nas chaminés. A varar o chão que eles fizeram. Estava a mina feita e eles depois, a fazer chapéus para os elevadores, varavam para cima para a rua. Faziam chaminés. Uma vez ficou lá ele mais um cunhado meu, que já morreu e era mais novo do que ele. Ficaram lá os dois numa noite. Não puderam sair, que o elevador avariou. Depois foram tirados por uma corda para cima. Eram trabalhos perigosos. Quando caíam aquelas pedras, viu lá matar um companheiro que estava ao lado dele. Doutra vez, caiu outra barreira, partiu a perna a um colega e ele partiu a cana do nariz e um dedo. Era assim os acidentes de lá. Uns mortos, outros aleijados. Eu estava sempre em aflição. Telefonávamos. A gente telefonava todos os oito dias. Havia aqui uma senhora, onde o telefone vinha ter, que quando falava comigo, dizia-me sempre:
- “Ai! Diga ao seu marido que venha, que aquilo lá é muito mau! Aquilo lá é muito mau...”
Uma senhora muito amiga. E assim se passou a vida.