Comecei a ter os meus filhos. Tive seis. Desses seis, morreu um com 2 aninhos e eu enlouqueci com os nervos. Mas tudo se passou. Tive seis filhos sem nunca ir a um hospital, sem nunca ir a um médico derivado à gravidez. Tinha os filhos sozinha, sem ninguém estar ao pé de mim. Não tinha parteiras. Era difícil. E, no entanto, andava aos dez dias para ter os filhos e aos oito e não ia ao médico. Se morresse, morria. Morria, vivia.
A minha filha nasceu na minha terra. Como o meu marido andava nas Minas, eu fui para lá um ano e ela nasceu lá. Quando nasceu, eu estava sozinha. Já havia há dez dias que eu andava com aqueles problemas todos. Só quem sabe. Embrulhei-a numa fraldinha e numa mantazita - que a gente usava umas mantinhas pequeninas - e tomei-a ao colo. Depois, ouvi passos na rua e fui à janela ver quem era. Era a minha madrinha, que lá ia a passar. Eu disse-lhe assim:
- Ó madrinha, venha aqui a minha casa, se fizer o favor.
Diz-me ela:
- “Ó filha, vou com muita pressa. Ainda hei-de ir tratar dos meus animais e hei-de ir à missa a Cebola.” - aquilo hoje é São Jorge da Beira, naquela altura, era Cebola.
Digo assim:
- Mas era só para ver uma coisa que eu aqui tinha.
Diz ela assim:
- “Ah! Mas eu tenho medo...”
Eu tinha uma cadelita e não sei o que é que a cadela lhe apanhou que não gostava muito dela. Lá venho eu à porta com a menina de braçada para segurar a cadela. Abri a porta, a minha madrinha entrou. Voltei a fechar a porta e disse:
- Ó madrinha, olhe o que eu aqui tenho!
- “Ai, mas agora, eu ia com pressa...”
Mas depois, coitadinha, já não tinha pressa. Depois, eu tinha ido chamar a minha sogra. Elas ficaram muito admiradas.
Depois, aos três dias que eu tinha tido, fui lá para um chão ralar o milho. O meu sogro foi lá ter comigo e diz-me ele:
- “Vai-te embora para casa! Esta orvalhada faz tanto mal. Vai-te embora! Eu ralo o milho.”
Ele ficou lá a ralar o milho e lá fui eu para casa. Depois, para eu não sair de casa, vinha para lá a minha avó. Estava lá todo o dia ao pé de mim, para não ir trabalhar. E eles lá me iam fazendo o trabalho. Era assim a vida.
As famílias ajudavam-se. Famílias até sem ser famílias. A povoaçãozita era pequena. Adoecia uma pessoa, a povoação juntava-se e iam-lhe fazer o serviço. Não estava mais atrasado que o dos outros. O trabalho era o mesmo, era tudo na fazenda. Ajudavam-se uns aos outros, mas aquela que estivesse doente escusava de se estar a incomodar muito, porque o trabalho dela não andava atrasado. As outras pessoas ajudavam-se umas às outras. Ajudavam mesmo. Um dia por uma, outro dia por outras. Quase que toda a gente tinha os seus problemas. E então, ajudavam-se.
Lá se criaram. Tenho cinco filhos vivos. Todos se casaram, todos têm a vida deles, já todos têm filhos. Um tem três, outra tem dois e os outros têm um cada. E assim foi a minha vida.
De princípio, foram para Lisboa. Depois, nenhum ficou lá. Três foram para a Alemanha. Já fui lá diversas vezes. Já fui de avião e já fui de autocarro. As minhas filhas ainda foram solteiras para lá. Estavam lá duas tias que as mandaram ir. Depois arranjaram trabalho elas próprias. E lá casaram, mas não foi com alemães. Foram portugueses. O meu filho mais novo foi para lá, mas já foi casado. Tinha dois filhos na Suiça. Agora, um veio e trabalha nas Minas da Panasqueira, como o pai. Ainda lá trabalhou, de solteiro. Agora voltou para lá. Ainda lá está. Eles saíram, porque não tinham aqui condições para viver como eles pretendiam. Era a cavar terra. Hoje é que alguém se governa a cavar terra? É difícil. Para além do pouco que a gente pode fazer, vem a praga e come tudo.
Os meus netos já são crescidos. Só tenho dois mais novos. Um fez agora 10 anitos e tenho uma outra com 6, de outro filho. Mais os outros já são todos de 18 anos para cima. Agora, já não querem histórias dos velhos.