Mais tarde, com 27 anos, passei-me para a África do Sul. O meu cunhado mandou-me. Outro cunhado já o tinha passado para lá, já lá estava há uns anos. Depois, este meu cunhado, o Martinho, foi para lá e mandou uma carta de chamada. Mas a passagem de novo visto era mau. Via-me atacado! Nunca mais vinha. Cortavam, cortavam, estava a ver que não ia. Dificuldades! O Salazar, na altura, não os deixava passar. Não queria e não estava a passar ninguém! Começou a ver a embaralhada, tudo ia-se embora e, na altura do Salazar, cortavam para baixo. Eu vi-me perdido. Então, e o que faziam aos madeirenses? Os madeirenses metiam-se num barco e em Cape Town era a nado para o outro lado, para se passarem. O gajo também cortava para os madeirenses. Por vezes, fechavam-nos dentro do barco, porque eles fugiam a nado. Os gajos sabiam nadar rápido.
Depois, disseram-me na embaixada sul-africana:
- “O senhor, agora, vá para Moçambique. De Moçambique, você passa-se para lá.”
Deram-me esse conselho. Depois, tratei numa agência, mas a agência não... Era só dificuldades! Lá um tipo tinha uma tipa, um conhecimento, na embaixada, nesta coisa do cônsul, que é como chamava. Lá é que o papel era sempre enviado para trás e para a frente, para trás, para a frente, e eu nunca mais passava. Essa rapariga, depois, é que deu a volta aos papéis e dali fui-me embora. Lá me passei. Ainda demorou. Eu tinha autorização para entrada lá. Em qualquer altura entrava. Aqui, é que me cortavam a papelada toda. Até pagava pouco, na altura, pelas passagens para lá. Eu acho que paguei pouco. Fui de avião. No 727 por Espanha. Espanha, Angola, África do Sul. Antigamente, era muito ruim. Muito ruim. Eu não gosto de estar a aprofundar o que era a passagem, porque isto... O que lá vai, lá vai, mas até me está a tocar.
Lá, o trabalho era um bocado diferente, mas a gente adapta-se. Era mais controlado. Não era como aqui. Aqui, cada um faz à sua maneira. Lá, não. A gente entra dentro dum apartamento, aquilo é tudo igual. Fazem aqui igual, ali igual. Aqui, se aquele fez em aresta, aquele fez em gaveta. Lá, quando acaba o apartamento, a gente olha e o apartamento está todo por igual. É diferente o nosso trabalho. Cada um puxa por seu lado. Não temos pessoas a prepará-los. Lá, aprende-se a arte, tem que se ter o livrozinho e sabe-se da sua categoria.
Ainda lá andei uns anos. Trabalhei sempre na construção, em várias companhias. O que é, era tudo judeu. Malta judia, mas boa malta, muito porreira. Boa gente, não tenho nada a dizer. Andei lá e ganhava-se para viver. Já estava a dar. Na altura, já dava uma coisita. Mandei vir a mulher e lá me aguentei. Na altura, não a levei, porque não sabia as dificuldades que ia pagar. Ela estava em casa e eu ganhava o suficiente para os filhos comerem e beberem. Era muito diferente. Comprava-se uma casa com facilidade. Aqui um homem tem de pagar quatro, cinco casas. Lá, não. Lá, a gente comprava a casa, dava “x” e ia pagando. Depois dizia:
- “Quando o senhor puder liquidar, liquida.”
Aqui é uma roubalheira. Admite-se isto? A gente anda a trabalhar para quem? Para os bancos? É uma tristeza. Não percebo nada. Como é que as pessoas, coitadas, podem comprar uma casa? Como é que a juventude pode comprar uma casa? Paga cinco, seis casas. Lá, não. Lá, com pouco tempo, a gente tinha a casa paga. Toda a gente trabalhava, chegava, ia-se às agências tratar, assinava-se, tanto, tanto, tanto, prazo de tanto tempo. Quando quer, paga, pagou. Acabou. Às vezes, a malta falava em voltar a Portugal:
- “Não, Portugal não é bom. É bom para cozer com couves e deitá-los aos porcos?”
É o que eles diziam, coitados. É aborrecido. Eles daqui, coitados, lixados.
- “Lá comem tudo e os outros não comem nada” - era o que eles diziam.