Eu tinha 23 anos quando fui para a tropa. Fui tão tarde porque fui à inspecção legal mas o nosso exército não queria tropas de cor. O Estado, não era o Exército, apurava-nos e na altura em que havíamos de ser chamados para a tropa, punham-nos em serviços auxiliários, que eram as tropas territoriais. Tínhamos de pagar uma taxa militar. Eu lia a Comarca de Arganil e ouvi dizer nas notícias do dia que os mancebos que não pagassem a taxa militar dentro daquele prazo podiam pagar mais tarde e eu deixei-me passar. Quando vou para pagar a taxa militar era a dobrar ou o que é que foi. E eu fico assim:
- Eu pago a taxa militar há oito anos. Se o nosso exército não quer tropas de cor o que é que eu vou fazer? Vou pensar. Vou pagar a taxa militar toda.
E fui. Ainda era o Centro de Colonização Nº1, na Rua das Necessidades, em Alcântara. Fui lá, ao Clemente, um sargento que me atendeu:
-Olhe lá, passa-se isto assim assim.
- “Ó você pode pagar. Quando você for chamado, então desgraçados dos brancos que ficaram livres”.
Então meti um requerimento, toca a pagar a taxa militar. Pago a taxa militar, fizeram-me um desconto de um ano ou o que é que foi. Salvo erro paguei a taxa militar em Novembro ou Dezembro. Em Março recebo uma carta para ir novamente à inspecção. Vou lá ao centro de mobilização, nessa altura, era no Quartel-General em São Sebastião da Pedreira.
- O senhor disse-me isto e isto e agora afinal é isto assim, assim.
- “Foi uma nova lei que veio. Mancebos, até aos 24 anos de idade, têm de ir para a tropa”.
Lá vou novamente à inspecção. Se não tinha ficado apurado, também não fiquei apurado outra vez . Eu tinha um defeito físico. Puseram-me um taco de 2 centímetros para endireitar o corpo na parte direita, mas nem assim apuraram. Tudo muito bem. Lá vou. Assentei praça até foi na Avenida Berne que é agora uma Universidade que era o Trem Alto. Quando lá estou na tropa queixei-me lá ao primeiro da Companhia:
-Passa-se isto assim, assim. Já não digo os anos passados mas pelo menos os anos que eu estou a cumprir a tropa tenho direito à restituição deles.
- “Pois tem! Vou já passar um documento conforme está.”
Lá vou eu outra vez ao Terreiro do Paço, ao Ministério das Finanças meter um requerimento. Até foi um primo meu que escreveu porque percebia melhor.
- “Meta o requerimento e depois venha cá daqui a uns dias saber.”
Quando lá fui saber, apresentam-me lá um artigo dizendo: “Todo o mancebo que ficar sem serviço auxiliário e caso seja chamado, não tem direito de ter pago a taxa militar, então não tem direito à restituição do dinheiro”. Fui um felizardo. Vim para a tropa com 23 e paguei para ir para a tropa. Ainda fui mais do que um voluntário porque os voluntários iam sem ser chamados. Andei lá 18 meses e 17 dias. Entrei ao meio-dia e saí ao meio-dia. Não fiquei a dever nada ao patrão. Foi uma tropa formidável.
Às vezes na parada, haviam aqueles cabos milicianos que não moravam lá. Moravam fora de Lisboa. Às vezes, tinham a roupa suja e diziam para o alferes de instrução:
- “Olhe lá, ó nosso cabo, você não tem umas calças sujas ou uma camisa que era para me safar de lá estar pela hora do calor? Para me safar da parada.”
A gente, na tropa, não pode andar com os olhos abertos nem fechados. Se abre muito os olhos a tropa fecha-os e se tem os olhos fechados eles abrem-nos.