Ainda cheguei a ir às Minas da Panasqueira levar milho - que eles precisavam lá dele - dentro de cascos de vinho, como se fosse vinho que lá ia dentro. Depois, era despejado à socapa. Era contrabando. Não se podia fazer. Depois vinha o volfrâmio para baixo. Faziam aqueles negócios. Cheguei a ir daqui às Minas da Panasqueira com um candeeiro na mão - chamavam àquilo um lampião - só para controlar os números dos carros que passavam na estrada. Tal era o controlo que eles tinham do contrabando. Eles aqui também estavam metidos e queriam saber os números dos automóveis para saber quem eram os gajos que lidavam com isto. Eram pessoas daqui que iam trabalhar para lá. Umas quatro ou cinco. Mas não era para trabalhar dentro. Era parado cá fora no volfrâmio à socapa. Andavam às fugidas. Mas aquilo dava dinheiro e eles iam.
Pagavam muito mal aos trabalhadores. Pagar, pagavam, o dinheiro é que não chegava para saldar o que se devia lá. Eles trabalhavam e durante a semana tinham de ir buscar qualquer coisa para comer: um bocado de arroz, um bocado de massa, um bocado de bacalhau... E eles faziam aquilo de maneira que quando pagassem o salário, o dinheiro não chegava para cobrir a dívida. Ficavam sempre a dever:
- “Hás-de ficar aqui preso para sempre...”
Às vezes, era preciso levar as cartas que eles escreviam uns para os outros. Os gajos sabiam que eu quase não tinha medo:
- “Leia, Luciano.”
- “Ó, Luciano, vai botar lá esta carta.”
Fui a pé daqui à Martinha, que é uma estrada que passa ali para os lados da Pampilhosa. A pé daqui para lá e de lá para aqui a pé. Para ganhar qualquer coisita. Depois, chegava ao fim da semana, fazia as contas e o dinheiro mesmo assim não chegava. Antigamente isto era um pouco miserável.