Antigamente tínhamos cabras. Eu tinha uma cabra especial, chamava-se Briosa! A minha mãe dizia assim:
- “Ó Fernanda, vai tratar das cabras e traz o leite.”
Mas aquela cabra era diferente, olhava logo para mim para ver se eu tinha alguma coisa no bolso. Eu mostrava-lhe um bocadinho de broa, dava-lhe e ela comia. Ela já sabia que eu ia mamar o leite e abria as pernas. Ai! Era tão bom aquele leite tão quentinho! A minha mãe era assim:
- “Tu derrubaste o leite!”
E eu:
- Foi ela. Ela escoucinhou. Atirou-se ao ar.
- “Tu tens uma cabeça boa!”
O primeiro leite dela era para mim. Nós ainda tínhamos ovelhas e o meu tio também tinha lá gado. Ele comprava o gado e a gente criava e depois era metade para cada um. Era assim. O meu tio dizia:
- “Vens cá para Lisboa, já lá não há mais gado.”
Mas eu gostava tanto. Uma vez levei uma marrada de um carneiro que fui parar em cima de uma figueira! Ai, ele deu-lhe uma tareia! O que vale foi a figueira que me segurou!
Com o leite que tirávamos às cabras, quando era muito, fazíamos o queijo. Eu nunca fiz queijo, mas a minha mãe fazia. O que eu mais gostava era quando ela acabava de fazer o queijo daquele leite! Saíam aqueles bocadinhos do queijo, gostava muito daquilo com a broa.
Para fazer o queijo é com uns acinchos em redondo, quando o leite está coalhado. Punha-se lá o coalho para ele ficar assim fofinho, que é para tirar e depois punha em cima de uma mesa. Calcava, calcava, calcava. Até ficar o queijo. Depois quando ele estivesse cheio punha a secar. Demorava bastante tempo a secar. Tinha que se virar de um lado e do outro e para isso havia umas queijeirazinhas. O queijo era mais maciozinho quando era misturado o leite de ovelha e de cabra. Depois as cabras e as ovelhas ficavam cheias e nessa altura já não tínhamos leite. Só quando elas pariam, é que a gente ia buscar outra vez o leite para os queijos. O queijo que a minha mãe fazia era para a família comer e para dar, às vezes, ou se dava um queijinho, ou um litro de azeite, porque o meu pai era lagareiro. Estava lá o lagar ao pé. Graças a Deus, azeite tínhamos bastante. E era aquilo assim que gente comia, isso e a nossa sopinha com o bocadinho da carne, gorda, em cima da broa.
Também apanhei azeitonas e gostava muito de ir quando o meu pai estava a fazer o azeite. Que ele fazia para aquela terra toda. O meu pai fazia lá o azeite e depois coziam o bacalhau com aquelas couves, aquelas batatas, com muito azeite numa gamela. A gente consolava-se.
Comecei a ajudar os meus pais logo. Então, pois. A gente está ali, é logo. Uns vão deitar o gado para a rua, outros vão ao mato, outros vão à erva.
- “Amanhã está a chover, tens que ir ao comer para o gado, para se pôr na palheira por cima.”
Comecei pequenina. Agora também trabalho no campo, mas só quando é para semear. No outro dia, o meu marido foi a Arganil, trouxe dois centos de couves. Fui lá pô-las com ele, que é para o Inverno, para comermos no Natal, e estava tudo cheio de feijão. Tenho feijão-verde que é uma coisa parva! Semeámos as batatas depois ele tirou-as e semeou feijão. Gosto de ir para o campo porque há coisas que eu vou lá e ponho-as a direito.
Agora levanto-me de manhã e pareço mais um farrapo, por causa dos meus ossos. Depois lá começo a andar para um lado e para o outro. Comemos o pequeno-almoço. Vou cortar as couves para as minhas galinhas. Lavo a louça do café, e venho para cima para arrumar as coisas. Depois vem o almoço. Às vezes, o meu marido safa-se lá para cima sem levar o pequeno-almoço, que ele está a tomar uns comprimidos que está aí como um menino, tenho que tomar conta dele. À tarde, vou para a Comissão um bocadinho. Depois venho para baixo, fecho as galinhas e vou fazer o meu jantar. Comemos e o Luciano vai para a cama, mas eu não. Eu fico para ver as telenovelas e, às vezes, faço renda, fico entretida. Chega-se quase à meia-noite, vou beber um copo de leite, ou comer um bolinho ou uma coisa qualquer, depois deito-me. A minha vida é assim.