Os meus pais chamavam-se José e Ana. A minha mãe, coitadinha, trabalhava na fazenda. E eu e os meus irmãos, em bebés, éramos criados numa cesta. O meu pai, que Deus tem, ainda chegou a estar em Lisboa, mas depois veio-se embora, que não gostava de lá. Foi trabalhar na resina, no carvão, na fazenda, eu sei lá.
Somos quatro irmãos. A minha falecida Maria do Céu era a mais velha, a seguir sou eu, depois era o António, que também já faleceu, e o mais novo era o meu irmão Alfredo. Nós tínhamos fazenditas e os meus pais ensinavam-nos era a ter mão para trabalhar. Trabalhar e mais nada. Primeiro era só milho e feijão que semeavam. Batata era muito raro. Depois, mais tarde, é que começaram a semear batatas. No tempo da fome, a minha mãe ia pelas terras, por um lado e pelo outro, a ver se arranjava alguma coisa para matar a fome à gente. Não é vergonha dizer que eu e o meu irmão Alfredo andámos a pedir. Quando, às vezes, andávamos a cavar nas fazendas em cima e víamos a minha mãe lá no caminho com a toalha branquinha à cabeça, era uma alegria! Vinha logo preparar alguma coisa para a gente comer. O meu pai antes queria um cigarro que uma boa refeição. Quando não tinha tabaco aquilo era o demónio. Eu, às vezes, vinha de Lisboa e trazia-lhe carne, farinheira e tudo. Dizia:
- Ó pai, agora vai-se aqui fazer um comer que você vai gostar.
Ele metia duas garfadas ou três na boca e antes queria um cigarro. Um dia estava em Lisboa mais o meu irmão e fôramos chamados, porque o meu pai tinha falecido. Quando vejo a sair-lhe sangue pela boca disse-lhe logo:
- Isto foi o tabaco, arrebentou-o.
E o meu irmão António, que era chegado a mim, também faleceu com esse mal.