Um dia, eu tinha ido à rua buscar umas coisas à taberna da Saudade. Estava lá um moço, que já morreu, que também se chamava Américo. Estavam a petiscar e ele disse-me:
- “Eh pá, toma aqui um coiso!”
E como uma bucha e bebo um copito de vinho. Venho para casa já era assim quase de noite. Quando vou a abrir ali a porta, a minha mulher estava sentada no último degrau da escada! Era sangue por todo o lado. Dá-me a impressão que ela deveria vir à sala para buscar os frasquinhos dos comprimidos - ela tinha tudo orientado, coitada, e eu também tinha que orientá-la muito - e não acendeu a luz do corredor. Chegou ali, pôs o pé em falso e foi até ao fundo da escada. Agarrei e fui a gritar à dona Arménia. Veio o marido que, para mim, foi uma excelente pessoa. Fazia cá muita falta aquele homem. A ambulância levou-a para Arganil e depois para Coimbra, onde ficou internada. Telefonaram quando ela faleceu. Os meus filhos é que chegaram a orientar, que eu não tinha cabeça.
Ela ainda hoje cá podia estar. Se não é a queda que me deu ali, ela hoje estava com 87 anos. Faleceu em 2001. Ela era mais velha que eu nove anos, mas eu tratava-a. Houve uma altura que ela estava na cama e, de vez em quando, eu estava sentado no sofá e ela a chamar-me:
- “Ó Américo...”
Levantava-me e eu é que a lavava. Não é vergonha nenhuma dizer que eu é que a lavava. Não tenho remorsos nenhuns, nenhuns, daquilo que lhe fiz. E sou bem acarinhado pela família. O meu cunhado e a minha sobrinha sabem bem o que eu era para a minha falecida. Às vezes lá podíamos dar uma lambada um ao outro, isso era o habitual. Mas fui feliz enquanto ela foi viva. Agora não sou feliz porque ela faltou-me. Custa-me estar sozinho. Pode dar uma coisa qualquer a uma pessoa e depois... Mas a graça de Deus é grande.