Fui de Monte Frio para Lisboa com 12 anos numa camioneta de carga, carregada de madeira que era do meu tio Manuel Henriques Júnior. Ele é que me levou e que me pôs à porta da minha prima para começar a trabalhar. Era normal as pessoas de família que estavam em Lisboa chamarem as da terra. Deram a mão a muita gente e há gente bem por causa dessas chamadas. Não só do Monte Frio mas também das terras vizinhas. A família chamava e as pessoas que tinham mais cabeça, não é o meu caso, conseguiram fazer uma vida nos táxis, em restaurantes, em cafés e tudo. A adaptação é difícil, para um miúdo, praticamente com os olhos completamente tapados. Embora estivesse em casa de gente de família. Era bem tratado, comia muito bem e dormia numa cama melhor com certeza do que a que dormia em casa. Andar com o cabaz das compras e ir ao clientes com o cabaz das compras às costas, sem saber atravessar uma rua, tornava-se difícil. Em Monte Frio via-se passar o autocarro da carreira que vinha todos os dias para Santa Comba Dão e mais nada. O mais que fiz, talvez, e foi a pé, foi uma viagem para arrancar um dente a Avô e acho que se alguma vez fui a Côja foi de carreira. Em Lisboa os automóveis eram muitos. Tive de aprender a atravessar as ruas com os cabazes às costas. Depois já atravessava aquilo com uma facilidade, mas em pouco tempo.